A pedagoga paulistana Ellen de Carvalho Alves sofria ao ver a fama que o filho tinha ganhado na escola. Guilherme, na época com 5 anos, era uma criança impulsiva e, às vezes, até agressiva. Mesmo quando não estava envolvido em brigas entre os coleguinhas, acabava levando a culpa. “Lembro de uma festa de aniversário de um dos meninos da classe em que saiu uma discussão por causa de um brinquedo. Uma das mães logo gritou o nome do meu filho, mas ele estava ao meu lado o tempo todo, longe da confusão”, conta Ellen.

Embora o julgamento premeditado da outra mãe a tenha chateado, não a surpreendeu. Guilherme, em diversas ocasiões, fez jus ao rótulo de “o briguento do colégio”. Depois de procurar muita ajuda para entender o comportamento do filho, a pedagoga finalmente obteve um diagnóstico. Guilherme sofria de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Hoje, aos 7 anos e em tratamento, o garoto está se desenvolvendo muito bem, no mesmo ritmo de outras crianças de mesma idade. Mas, vez ou outra, a família ainda se depara com a discriminação. Crianças hiperativas muitas vezes são taxadas de mal-educadas e encrenqueiras.

Primeiros sinais do TDAH

O TDAH se caracteriza por sintomas como desatenção, inquietude e impulsividade, ou um misto de todas essas características. Isso acontece porque o cérebro dessas crianças apresenta alterações na região frontal, responsável pela atenção, organização, memória e autocontrole, entre outras funções.

Normalmente, os sintomas se tornam evidentes por volta dos 5 anos e tendem a acompanhar o indivíduo pelo resto da vida. “Como é um transtorno neurobiológico, o paciente já nasce com ele. Os sinais se tornam mais pronunciados de acordo com as demandas que surgem ao longo dos anos”, explica o neurologista Antônio Carlos de Farias, do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR).

É normal que tanto os professores quanto os pais percebam as primeiras dificuldades da criança para manter o foco no período em que se inicia a alfabetização e os exercícios escolares se tornam mais desafiadores. “Nessa fase, a escola começa a propor atividades que exigem questionamento e persistência. Ainda assim, a criança precisa ser avaliada dentro de um contexto e a longo prazo, para descobrimos se não há questões biológicas (como dificuldade para ouvir ou enxergar, por exemplo) e emocionais (como mudança de escola, nascimento de um irmão ou separação dos pais, entre outros) por trás desse tipo de comportamento”, avalia a pedagoga Juliana Hanftwurzel, orientadora educacional da Escola Morumbi, em São Paulo (SP), que já recebeu diversos alunos com o transtorno.

Não é falta de limites

Por ser de origem genética, o TDAH independe do ambiente em que a criança nasceu e cresceu. O problema é que, ainda assim, ela pode ser taxada de mal-educada e os pais, de negligentes. “As pessoas, mesmo os mais próximos, acham que é falta de limites. Na minha casa, entretanto, sempre houve regras: tanto antes quanto depois do diagnóstico do meu filho. Cheguei mudá-lo de escola duas vezes, sendo que em uma delas sofri preconceito dos outros pais, até encontrar uma instituição que nos acolhesse e abraçasse a nossa causa”, desabafa Ellen, que ainda hoje tem receio de que o filho vá brincar na casa de amigos sem ela por perto.

Por outro lado, o ambiente pode ser decisivo para o diagnóstico e tratamento do indivíduo com TDAH. Nos primeiros anos de vida, claro, as crianças geralmente são mais inquietas. Com o amadurecimento do cérebro, entretanto, vão adquirindo capacidades que facilitam a convivência social. As crianças com TDAH tendem a apresentar mais problemas nessa área, especialmente as impulsivas. Existem parâmetros de desenvolvimento, usados por pediatras e educadores, para determinar as aquisições normais esperadas para cada idade.

“Mas somente uma avaliação médica detalhada pode determinar se a criança, de fato, tem o transtorno”, alerta o neurologista. Farias explica que o diagnóstico é clínico, ou seja, com base em uma análise detalhada do histórico da criança e alguns testes neuropsicológicos – levando-se em conta se há casos na família e a intensidade e a frequência dos sintomas, por exemplo.

Por isso, ainda que cada criança tenha um ritmo próprio, vale a pena investigar quando ela ficar muito aquém das expectativas para idade ou tiver dificuldades para se socializar. “Se não tratado, os sintomas do TDAH podem afetar o sono e o desempenho escolar. E, mais adiante, agregar comorbidades (ou seja, doenças relacionadas) como ansiedade e oscilações no humor. Por essa razão, adolescentes com o transtorno, quando não tratados, estão mais suscetíveis a evasão escolar e uso de drogas, por exemplo”, explica o neurologista.

A criança pode ter uma vida normal

A dentista Amanda Abreu desconfiou que a filha Sofia, hoje com 7 anos, poderia ter TDAH há pouco mais de dois anos. “Como meu marido tem o transtorno, sabia que ela também poderia apresentá-lo”, conta. Na época, a maior preocupação de Amanda, como de muitos pais, era certificar-se de que a menina teria uma vida normal ao crescer. “Será que vai conseguir estudar, ter uma profissão, ser independente?”, questionou-se.

Em Sofia, o sintoma predominante é a desatenção, o que gerou insegurança na menina a princípio. “Ela tinha medo de não aprender a ler e acompanhar os colegas, mas atualmente se sente mais confiante”, diz a mãe. De acordo com o neurologista Farias, não existe uma fórmula apenas para tratar a criança com TDAH. Em algumas crianças, é necessário trabalhar habilidades emocionais, enquanto em outras, questões de linguagem. Em alguns casos, também indica-se o uso de medicamentos à base de metilfenidato, entre outras associações.

“Tudo vai depender do tipo de sintoma, do grau do transtorno e do quanto ambos afetam a rotina da criança”, resume o neurologista. A escola e a família, obviamente, também têm papel fundamental no tratamento: o mais comum é que algumas adaptações sejam feitas para ajudar a criança a superar suas dificuldades. “Podemos fazer provas orais ou em ambiente livre de distrações, assim como mediar a comunicação dela com os colegas e propor que ele auxilie o professor a fim de se manter ocupado, entre outras adaptações. Em resumo, o trabalho da escola é ensinar a criança a lidar com os recursos que têm e não com os que faltam e, assim, mostrar que ela também pode aprender”, afirma a educadora Juliana.

O indivíduo com TDAH vai levar uma vida normal, sim. Os especialistas indicam uma boa dose de paciência para família, porém, isso não significa que a criança está livre de seguir as regras sociais. “Quando a Sofia está muito cansada, depois de um dia inteiro se esforçando para ser atenta e organizada, por exemplo, tende a desanimar. Mas aprendi que nessas horas o meu papel é ‘cortar’ o drama, pois deixar com que ela se faça de ‘coitadinha’ não ajuda em nada”, diz a mãe.

Ellen, mãe de Guilherme, também concorda em agir com firmeza, sem perder a ternura. “Muitas vezes, quando pergunto por que ele fez algo que não aprovamos, ele não consegue responder ao certo. Ou seja, agiu por impulso mesmo e não por falta de educação. É muito difícil, mas deixamos claro que estamos contra o TDAH, e não contra ele”.
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Matéria de Malu Echeverria, publicada originalmente no UOl, em 02/06/2017. Para acessá-la na íntegra: https://estilo.uol.com.br/gravidez-e-filhos/noticias/redacao/2017/06/02/hiperativo-ou-mal-educado-conheca-os-sintomas-do-tdah.htm

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