Do Blog do Luiz Sperry, publicado no VivaBem UOL em 02/12/2019.

Não é segredo que o número de casos de transtornos mentais têm aumentado, qualquer que seja o enfoque utilizado. Mais consultas, mais internações, muito mais medicações. De modo irregular, mas constante, a psiquiatria vem saindo do espaço da obscuridade e chegando lentamente a parcelas cada vez maiores da população. Alguns saúdam isso como um dado positivo, mas tenho cá minhas reservas. Vamos aos fatos.

A demanda por serviços de saúde mental não para de crescer. O número de consultas psiquiátricas, internações psiquiátricas, sessões de terapia e diárias de hospitais-dia, que é uma modalidade onde o paciente passa o dia no hospital mas volta para casa à noite, cresceu muito no país. Os dados são da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ou seja, não incluem pacientes SUS, e estiveram em pauta em seminário promovido recentemente pela Folha de S.Paulo. Mesmo assim são um forte indício de que a demanda por estes serviços tem aumentado de forma constante. Sobre esses dados, o professor Wagner Gattaz, do IPq da USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo) diz o seguinte: “É uma ótima notícia. Tratar saúde mental é contribuir com menos sofrimento para os pacientes”.

Não é fácil discordar dessa afirmação. Se os pacientes não chegam ao tratamento, fica muito mais difícil se fazer um diagnóstico preciso e intervir adequadamente. Acontece de modo semelhante ao que conta Chimamanda Ngozi Adichie, em seu maravilhoso romance “Americanah” (Companhia das Letras). Em um certo momento a protagonista, Ifemelu, sai da Nigéria e vai estudar nos Estados Unidos, mas ao se deparar com as dificuldades de se ver estrangeira num outro país, acaba por ficar deprimida. Uma amiga a adverte, mas é difícil para ela acreditar. “As pessoas não ficam deprimidas na Nigéria. Não que não fiquem deprimidas, elas ficam, mas não se chama isso de depressão. Não se fala sobre depressão”. Depressão no seu conceito era algo que poderia acontecer apenas com americanos. Americanos brancos.

O desconhecimento sobre as doenças mentais não é um fenômeno nigeriano, obviamente. No Brasil, mesmo nos grandes centros urbanos, ainda existe uma grande resistência aos serviços de saúde mental, mesmo quando estão disponíveis. E doenças sobre as quais não se falam são mais difíceis de serem detectadas.

Porém existe algo que também salta aos olhos nesse aumento. Como em qualquer serviço regulado por regras de mercado, muita gente ganha dinheiro com isso. No bom texto: “Pode a Psiquiatria se Curar Ela Mesma?” de John Horgan na Scientific American, a crítica é categórica: é necessário menos foco em ganhar dinheiro e mais em ajudar as pessoas. Ele ressalta que ao longo de seu percurso científico no último século, a psiquiatria muitas vezes esteve associada a práticas torpes como o coma insulínico e a lobotomia, e nem sempre pelos melhores motivos. Parte das políticas eugenistas do 3º Reich nazista foram inspiradas por políticas de saúde mental vindas da Associação Psiquiátrica Americana.

A respeito da psiquiatria atual, as críticas não são mais leves. Ela prometeria demais e entregaria pouco, em um conluio com os laboratórios e parte da mídia, ávidos por vender novos medicamentos e novidades sensacionalistas. Além de esconder suas evidentes fragilidades, tão bem descritas por Thomas Insel, um ícone da biopsiquiatria: “Não nos movemos um milímetro na redução de suicídio, na redução das internações ou de melhorar a recuperação de dezenas de milhões de pessoas com doença mental.”

Uma realidade não exclui a outra. Uma parte das pessoas de fato se beneficia, mas tem um monte de gente ganhando muito dinheiro vendendo doenças e tratamentos com finalidades menos cristãs do que apregoam.

Para ler na íntegra, acesse https://luizsperry.blogosfera.uol.com.br/2019/12/02/o-lado-b-da-psiquiatria-expansao-de-diagnosticos-traz-lucro-a-industria/

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A TRISTEZA PERDIDA
Como a psiquiatria transformou a depressão em moda
Autores: Jerome C. WakefieldAllan V. Horwitz
SUMMUS EDITORIAL

Nos últimos anos, a depressão se transformou no distúrbio mais tratado por psiquiatras. Ao mesmo tempo, o consumo de antidepressivos aumentou significativamente. Neste livro, Horvitz e Wakefield criticam tal postura, mostrando que a tristeza, comum a todo ser humano, vem sendo tratada como doença – e expondo as implicações dessa prática para a saúde.

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