Texto de Cynthia de Almeida, extraído da coluna Vamos falar sobre o luto?,
publicada originalmente no UOL │Viva Bem em 31/03/2022

“A morte de alguém por suicídio é diferente de qualquer outra perda que você possa ter sofrido. Sua natureza traumática nos coloca de cabeça para baixo, virados pelo avesso”.

Todo o tipo de perda pode ser devastador. Mas o autor da frase acima, escritor e especialista em luto, o norte-americano Alan D. Wolfelt, entende que o suicídio coloca o sobrevivente enlutado em uma situação particularmente cruel, com mais julgamento do que o necessário acolhimento.

Antes mesmo de receber o primeiro abraço solidário, uma pergunta vai assombrar quem ficou: “Por quê?”. Ao serem questionados, seja pai, mãe, cônjuge, filho, filha ou amigos, entram num espiral de sofrimento. Na maior parte das vezes, eles próprios se fizeram imediatamente essa pergunta, ou outra, ainda mais cruel: “O que eu deveria ter feito para impedir?”.

A certeza de que o gesto poderia ter sido evitado, que está longe de ser real, é então agravada pela reação das pessoas em torno. “Como você não percebeu? Não enxergou os sinais?”.

Há duas semanas, dois casos emblemáticos suscitaram esse tipo comum de reação social com alarde e especulação sobre os motivos e “culpados”. As mortes de um policial trans, Paulo “Popó” Vaz, que vinha recebendo mensagens de ódio pela internet, e da nutricionista Ilana Kalil, esposa de um médico acusado de assédio por pacientes, estão sendo investigadas, o que é esperado e bem-vindo, mas geraram, antes de qualquer conclusão, muitos veredictos e dedos apontados precipitadamente. Diante da notícia, as redes sociais foram inundadas por certezas, acusações, mocinhos e vilões.

Sem me aprofundar no mérito e circunstâncias das duas tragédias, fui conversar com a psicóloga Luciana Rocha, terapeuta que se especializou no luto por suicídio depois de ela mesma ter perdido o marido dessa forma, há sete anos. Perguntei a ela o que gera essa busca por uma explicação imediata e culpados. A psicóloga lembra que, em primeiro lugar, as pessoas tem uma dificuldade enorme em lidar com a morte. E, no caso da morte autoimposta, essa dificuldade é multiplicada por três, quatro vezes.

A procura por um culpado, um motivo, uma negligência por parte de quem estava mais perto é uma forma de se proteger do horror que a situação inspira. Respostas simplistas levam à falsa e desejável sensação de segurança, de que “comigo isso nunca vai acontecer”.

Há muito desconhecimento sobre o suicídio, que é cercado de mitos e preconceito. Com a ajuda dos textos de Wolfelt e da conversa com Luciana, listo aqui 10 pontos básicos que podem ajudar a entender e acolher melhor o luto nessa situação.

Quando alguém próximo morre por suicídio, o enlutado ouve a mesma pergunta: “Por quê?”. Parte-se do pressuposto de que aquela morte era previsível e poderia ter sido evitada. O questionamento vem tanto de quem está de fora como do próprio enlutado. Não se acolhe, julga-se.

Numa morte por suicídio, o foco social é no ato. As pessoas querem saber como aquela morte aconteceu e canalizam seu interesse na circunstância, em vez de prestar apoio a quem está abalado com a perda.

Esse tipo de morte exige uma investigação policial, que pode ser mais rápida ou mais complexa, de acordo com seu método e circunstâncias. Tudo o que envolve esse processo é necessário, mas contribui para o sofrimento extra do enlutado.

Não se pode dizer que uma pessoa tirou a própria vida por um único motivo. O suicídio é multifatorial. A pessoa que o comete tem, geralmente, um ou mais transtornos psicológicos (depressão e bipolaridade são os mais comuns).

O suicídio, na grande maioria das vezes, não é uma escolha racional. A pessoa que o comete age movida por um desejo desesperado de acabar com a própria dor. Tem, geralmente, uma alteração de percepção da realidade, um estreitamento da visão de mundo. Não é, portanto, um covarde. Nem um herói .

Uma pessoa não tenta se matar “só porque quer chamar a atenção”. Mesmo que o intento não seja dar fim à vida, é um dramático pedido de socorro. Aquela que não consegue seu objetivo precisa ser acolhida e tratada. Quem tenta o suicídio uma vez tem 50% de chance de fazê-lo novamente, e essa estatística aumenta a cada tentativa.

Existem muitos sinais de que uma pessoa pode atentar contra a sua vida. Alguns exemplos corriqueiros não devem ser subestimados: falar sobre essa possibilidade, mencionar com alguma frequência que “quer acabar com tudo” ou dizer que gostaria de “desaparecer”. Procurar pessoas que não via há tempos, demonstrar súbita espiritualidade, passar a organizar sua vida financeira. É importante ressaltar que os sinais costumam passar despercebidos e apenas a ajuda terapêutica adequada pode ajudar um familiar a identificá-los.

Existem gatilhos que podem acelerar a decisão do suicídio, mas serão sempre gatilhos (um grande desgosto, uma violência ou trauma, por exemplo), e não o motivo principal, que é o transtorno psicológico (mesmo que não tenha sido diagnosticada).

Afastar armas, drogas e qualquer objeto e substância que possam facilitar o ato é sempre recomendável. Mas não há ambiente seguro para quem quer se suicidar, apenas o tratamento psicológico e psiquiátrico.

A mídia não costuma noticiar e divulgar detalhes sobre as mortes por suicídio e isso tem uma razão. Não se pode glamorizar o gesto ou inspirar as pessoas a atentar contra suas vidas. Por outro lado, o silêncio sobre o tema não colabora para que as pessoas entendam melhor o que leva alguém a fazê-lo, e muito menos a gerar empatia por aqueles que perderam alguém dessa maneira –e que merecem todo o acolhimento possível.

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Pra ler na íntegra, acesse: https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/cynthia-de-almeida/2022/03/31/10-pontos-para-entender-e-acolher-melhor-o-luto-por-suicidio.htm

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Tem interesse pelo tema? Conheça o livro da suicidóloga Karina Okajima Fukumitsu, publicado pela Summus:

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SOBREVIVENTES ENLUTADOS POR SUICÍDIO
Cuidados e intervenções
Autora: Karina Okajima Fukumitsu
SUMMUS EDITORIAL

Segundo a Organização das Nações Unidas, a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no planeta. São quase 800 mil casos de morte autoinfligida por ano. Esses dados alarmantes têm chamado a atenção de profissionais de saúde, educadores e responsáveis pela elaboração de políticas públicas. Porém, além de prevenir esse tipo de ocorrência, é preciso cuidar daqueles que enfrentam o suicídio de um ente querido: os sobreviventes.Maior especialista brasileira no tema, Karina Okajima Fukumitsu reúne neste livro anos de pesquisa e de trabalho de campo com mães, pais, irmãos e amigos de pessoas que se suicidaram, desvendando o processo de choque, dor, agonia e tristeza pelo qual passam. Denominando posvenção o cuidado específico com esse público, a autora aborda os impactos do suicídio, detalha as dificuldades emocionais enfrentadas pelos sobreviventes, aponta caminhos para ressignificar a dor, apresenta propostas de prevenção e propõe políticas públicas para transformar a impotência individual em potência coletiva.

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