Uso de palmadas é reprovado  por especialistas; não há indícios de que essas punições possam fazer bem

Nem a ciência nem a Lei da Palmada foram suficientes para convencer boa parte dos pais e cuidadores de que castigos físicos não têm valor educativo, abrem feridas no psiquismo, prejudicam o desenvolvimento e devem, portanto, ser abolidos de vez.

Embora não existam dados posteriores à aprovação da lei, em 2014, especialistas dizem que a ideia da punição física com fins educativos continua arraigada na sociedade brasileira e, portanto, é uma realidade difícil de mudar.

O método pode aparentar eficácia instantânea, porque diante de uma surra ou um tapa a criança tende a interromper o comportamento indesejável, mas não funciona a longo prazo. “É um adestramento, a submissão total”, diz a psicanalista Isabel Kahn, professora na área de infância e família da PUC-SP.

A comunidade científica vem estudando a ligação entre as surras e problemas de saúde mental na vida adulta, e os trabalhos ajudaram a embasar a decisão de 53 países de proibir o castigo físico, incluindo o Brasil.

Uma pesquisa recente publicada no periódico da Sociedade Internacional para Prevenção ao Abuso e à Negligência Infantil concluiu que adultos que apanhavam na infância corriam maior risco de fazer uso abusivo de álcool e de drogas e tinham mais probabilidade de tentar o suicídio.

Foram ouvidos 8.300 adultos da Califórnia, que responderam perguntas sobre situações adversas na infância e saúde mental na vida adulta.

Um trabalho de 2016 no Journal of Family Psychology, analisou dados de 160 mil participantes ao longo de 50 anos e concluiu que as surras não apenas não levam a bom comportamento como estão relacionadas a uma ampla gama de indicadores negativos, incluindo, mais uma vez, prejuízos à saúde mental.

O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP Renato Alves diz que as pesquisas não permitem estabelecer uma relação de causa e efeito. Por outro lado, nenhum estudo concluiu que bater melhora o desenvolvimento da criança ou a saúde física ou mental.

“É preocupante porque muita gente diz que apanhou e é um cidadão de bem. O problema desse raciocínio é que se pega o exemplo particular e o generaliza”, afirma Alves.

Nos EUA, onde as pesquisas foram realizadas, surras com fins educativos são moeda corrente e liberadas inclusive em escolas públicas de muitos estados.

No Brasil, um levantamento feito em 2010 pelo NEV revelou que 20% dos entrevistados haviam sido punidos fisicamente e de forma regular na infância. O índice dos que apanharam ao menos uma vez foi bem mais alto (70%).

FALTA DE CONVERSA

A advogada Marília (nome fictício), 32, diz que apanhou poucas vezes da mãe, mas sempre de forma muito agressiva. “Ela quebrou um dedo meu quando eu tinha 15 anos porque fui a uma matinê sem permissão.”

A advogada diz que não tem filhos porque teme ser para eles a péssima mãe que sua mãe foi, mas acredita que dava motivos para apanhar –de forma leve. Ela mesma diz ter dado uns “corretivos” no irmão menor. “Fui uma adolescente inconformada, respondona. Quando eu tinha 12, 13 anos, eu devia mesmo ter levado uma palmada, um puxão de orelha.”

Segundo a psicóloga e psicanalista Juliana Wierman, coordenadora da psicoterapia infantil do Prove (Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência) da Unifesp, muitos pais que apanharam quando pequenos repetem a atitude com os filhos. “Uns acreditam que é a maneira correta de educar e outros não sabem agir de outra forma –e se culpam por isso.”

Para ela, é preciso mudar a crença de que a conversa não funciona para inibir atitudes impróprias. “Resolve, sim, se vai sendo estabelecida desde cedo. Há diferença entre ser firme e ser violento. Tem que explicar o motivo, ser firme com carinho”, diz.

Já a cabeleireira Meire Gomes, 47, que apanhava quase diariamente dos avós e dos tios, decidiu fazer tudo diferente quando se tornou mãe.

“Eu converso com eles sobre tudo e tento entender a razão de estarem rebeldes. Não quero que sofram o que eu sofri. Eu me sentia envergonhada e culpada, porque tudo era motivo para apanhar”. Ela é mãe de um menino de 8 e um rapaz de 19 anos.

Segundo as psicanalistas, castigos físicos frequentes podem causar na criança sentimentos de pouca valia e levá-la a ver o mundo como um lugar ameaçador, além de passar a ideia de que é legítimo impor a vontade pela força.

Elas também podem reproduzir o lugar de vítima em outras relações. “Vemos isso com crianças que foram vítimas de abuso sexual, que quando recebem carinho ficam desconfiadas. Também há crianças que foram abusadas e se tornam abusadoras”, afirma Wierman.

Texto parcial de matéria de Rachel Botelho, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, em 06/03/1966.  Para ler na íntegra, acesse: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/03/castigos-fisicos-na-infancia-estao-ligados-a-transtornos-na-fase-adulta.shtml

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Para saber mais sobre o tema, conheça:

COMO EDUCAR SEM USAR A VIOLÊNCIA
Autora: Dora Lorch
SUMMUS EDITORIAL

Toda criança precisa compreender o mundo em que vive, e pais e educadores devem fornecer exemplos diários de boa conduta e agir de maneira coerente com o que dizem. Mas muitos optam pela violência e pela humilhação para “ensinar”. Agindo assim, criam seres humanos sem capacidade crítica e também violentos. Usando a psicologia para falar de birras, medos, mentiras, vergonha, inconsciente e brincadeiras, a autora constrói um singelo manual de boas maneiras – para os pais. Prefácio de Ruth Rocha.

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