Texto parcial de reportagem de Gustavo Fioratti,
publicada na Folha de S. Paulo em 30/02/2021.

Pegos de surpresa, mães e pais relatam como foi viver com seus bebês no período de isolamento

Quando as mortes de brasileiros por Covid-19 começaram a aparecer no noticiário, em março do ano passado, a dona de casa Karen Mirelle Lacerda da Silva, 24, estava grávida de oito meses. Ela diz que sentiu pânico porque não sabia quais efeitos a doença poderia ter em gestantes e nos bebês.

A história de Karen é apenas uma das diversas sagas de mulheres da capital paulista que engravidaram antes de saber que a Covid-19 mataria mais de 220 mil pessoas no país, marca ultrapassada nesta quarta (27), após alta no número de contágios.

Com as diversas medidas recomendadas ainda no início da pandemia, que mudou hábitos em todo o mundo, também o comportamento de casais do município passou a refletir o medo do que vinha pela frente, com planejamentos familiares de procriação suspensos. Nove meses depois, esse medo se refletiu no esvaziamento das maternidades paulistanas.

Em outubro de 2020, houve uma queda de 4% nos nascimentos de paulistanos quando a comparação é feita com o mesmo período de 2019. Em novembro, a redução foi de 4,5% em comparação com o mesmo período do ano anterior, com nascimentos de bebês gestados em março, em sua maioria.

Já no mês de dezembro, esse índice teve uma redução de 10% na comparação do número de nascimentos com relação ao mesmo mês de 2019. Estes foram os bebês concebidos majoritariamente em abril, um mês após o anúncio das primeiras mortes por Covid-19 no país. Os números são do Sinasc, Sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos, da cidade de São Paulo.

Mães e pais ouvidos pela Folha relataram problemas econômicos, de saúde e outros derivados do isolamento nesse período.

A filha de Karen, Isabella, nasceu no dia 19 de abril, após complicações no parto que exigiram uma cesariana. Nos três dias seguintes em que esteve internada, só pôde ser visitada pelo marido, um pizzaiolo, no intervalo máximo de dez minutos diários, por causa de protocolos de isolamento estabelecidos pelo hospital. No restante do tempo, ficava sozinha com a filha.

Karen conta que a idealização de um pós-parto cercado pelo afeto dos amigos e de familiares foi por água abaixo, o que lhe custou uma depressão.

“Antes, eu achava que iria ser tudo perfeito, lindo. E não foi. Sozinha com o bebê, eu me sentia muito desamparada. Senti muita tristeza. Não tinha quem me ajudasse”, conta.

Ela relata que o isolamento deixou a sensação de que sua filha não era importante para a família. “Fiquei perdida. Não me sentia boa mãe, por me sentir triste.”

Alguns dias depois de chegar em casa, os pontos da cesariana começaram a abrir por conta de esforços físicos exigidos, uma vez que aqueles que poderiam ajudá-la estavam distantes, diz.

O marido tinha que trabalhar entre 16h e meia-noite. A mãe, diarista que mora em São Bernardo do Campo (SP), era do grupo de risco e foi privada de contato com a neta. A família pôde contar, porém, com o auxílio emergencial, que não será retomado pelo governo federal, mesmo com nova alta de casos de Covid.

Quando a filha de Karen tinha dois meses, o teste da mãe deu positivo para Covid-19. A preocupação e os cuidados redobraram, mas a filha também acabou contraindo a doença, apresentando sintomas leves.

A saga causou uma aproximação mais forte entre mãe e filha, com traços de dependência da criança, afirma. “Minha filha só fica comigo. É muito apegada. Eu não esperava que duraria tanto tempo essa pandemia, que privaria ela de conhecer o mundo, de conhecer familiares pessoalmente”, diz Karen.

O sentimento de solidão foi uma constante nos depoimentos das mães. No hospital onde Angélica Diniz da Silva, 31, ficou internada, ela pode levar um acompanhante quando seu filho Afonso nasceu. Ela conta que seu acompanhante fazia as refeições no refeitório do hospital, separado da mãe. “Achei isso chato pois desencorajava os acompanhantes a ficar à noite, justamente quando as mães estão tão vulneráveis. Meu companheiro ficou todas as noites, dormia em uma cadeira”.

Mestre em psicologia e autora de Infância na Gestalt-terapia (Summus Editorial), Rosana Zanella faz um alerta sobre as chances de crianças “ficarem mais grudadas” com os pais nesse período.

“As crianças podem criar um apego muito grande e, talvez, uma maior dependência e, com isso, ficar com menos autonomia. Mas se as mães incentivarem as crianças a fazer atividades sozinhas, elas vão aprender”, diz.

A psicóloga criou grupos de WhatsApp para que mães e gestantes pudessem trocar experiências no período de isolamento e enfrentar dificuldades derivadas.

A queda no número de nascimentos de bebês agora é parecida com a que houve entre 2015 e 2016, na epidemia do vírus da zika, quando os 198.454 nascimentos anuais na cidade de São Paulo caíram para 189.052.

Por causar microcefalia, a Síndrome Congênita do Zika Vírus atingiu mais os bebês do que a Covid-19. A queda de nascimentos permaneceu após 2016 e se acentuou entre 2019 e 2020, com 177.624 e 163.533, respectivamente.

O registro na queda do número de nascimentos poderá ter influência na taxa de fecundidade dos brasileiros, que chegou a 6,2 filhos na década de 1950 e já vinha sofrendo redução progressiva, tendo atingido 1,8 entre 2010 e 2020.

As mulheres que adiaram a gravidez no período de pandemia evitaram diversos riscos. Gestantes têm maior chance de desenvolver a doença na forma grave, com risco elevado de morte, segundo estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA

A secretária Tenile Graziela Garbini dos Santos, 31, chegou ao hospital e maternidade São Luiz Itaim com Covid-19, no fim de novembro, com oito meses de gravidez. Apresentava sintomas de gripe e insuficiência respiratória. Com problemas pulmonares, precisou ser internada.

Ficou dois dias no quarto e foi para a UTI, onde recebeu a notícia de que seu filho nasceria antes de ela entrar em trabalho de parto.

Precisou tomar anestesia geral, passou pela intubação antes da operação e não se lembra do parto, realizado às pressas, sob o risco de que tanto a mãe quando o bebê pudessem morrer.

Samuel nasceu com oito meses no dia 1º de dezembro. Após o nascimento, ela precisou voltar a passar pela intubação.

Antes, ligou para seu marido e disse “se eu não voltar, casa de novo e arruma uma mãe para criar meu filho. Mostra fotos minhas para o Samuel, não deixa ele me esquecer”, conta. Hoje os dois estão saudáveis e esperam o momento de poder tomar a vacina contra o coronavírus.

O isolamento social, na avaliação de médicos e psicólogos ouvidos pela reportagem, acabou estreitando a relação entre pais e filhos nesses primeiros meses de vida do bebê.

Essa proximidade permitiu a diversos casais algo que muitos pais sempre desejaram: ficar em contato com a criança o dia inteiro até ela completar um ano e começar a ter mais autonomia.

[…]

Para ler a matéria na íntegra (assinantes da Folha de S.Paulo e do UOL), acesse: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/01/numero-de-nascimentos-cai-em-sp-nove-meses-apos-inicio-de-pandemia.shtml

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Saiba mais sobre as obras da psicóloga Rozana Zanella, participante da matéria, publicadas pela Summus:

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INFÂNCIA NA GESTALT-TERAPIA
Caminhos terapêuticos
Organizadoras: Rosana ZanellaSheila Antony
Autoras: Carla Cristina PoppaEvelyn de OliveiraFabiana De ZorziLuciana AguiarRosana ZanellaSheila AntonyTaís Aparecida AugustoVirginia Elizabeth Suassuna Martins Costa

Ampliando ainda mais o tema da clínica gestáltica na infância, Sheila Antony e Rosana Zanella compilam nesta obra um vasto conteúdo teórico, clínico e prático para tratar a criança em sofrimento. Escritos por profissionais extremamente experientes, os capítulos mergulham em temas caros à abordagem gestáltica, como a presença, o heterossuporte e o uso de atividades lúdico-terapêuticas para expandir a awareness desse público. Além disso, fica claro a cada página que a tríade terapeuta-criança-família é cocriadora de fenômenos emocionais e comportamentais que levam à cura, à transformação e à ressignificação dos dramas vividos.

“Este livro […] amplia o escopo dos cuidados e intervenções aplicados na área infantil, entrelaçando teoria e prática clínica. Aqui, a criança se torna protagonista e é figura do enredo proposto pela obra, composta de consistentes pontos de vista apresentados pelas profissionais da área infantil gestáltica que se dedicam ao acolhimento do sofrimento e do desenvolvimento de crianças.”

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A CLÍNICA GESTÁLTICA COM ADOLESCENTES
Caminhos clínicos e institucionais
Organizadora: Rosana Zanella
Autores: Ana Maria MirabellaLia PinheiroLuiz LilienthalMaria Estela Benedetti ZaniniMyrian Bove FernandesRafael Renato dos SantosRosana ZanellaSheila Antony

São conhecidas as dificuldades vividas por professores, familiares, educadores e profissionais da área de saúde ao lidar com adolescentes. Neste livro, autores experientes mostram diversas modalidade de atendimento a adolescentes, tanto na clínica quanto em instituições. Temas como bullying, intervenção psicológica, orientação profissional e conflitos familiares são abordados em profundidade.

Para ver todas, acesse: https://www.gruposummus.com.br/autor/rosana-zanella/

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